sexta-feira, 27 de março de 2009

A Matemática na Ciência dos Materiais

“A MATEMÁTICA NA HISTÓRIA E NA CIÊNCIA DOS MATERIAIS”

Na história da humanidade, a importância da matemática é indiscutível, sendo ela: aplicada ou pura manifestação do intelecto humano. A beleza da demonstração de um teorema é algo que dispensa qualquer necessidade de aplicação prática, o que não diminui a sonoridade da poesia de uma equação matemática que descreve um fenômeno físico. Um dos melhores exemplos do mundo da matemática é o que ficou conhecido como o “Último Teorema de Fermat”. Pierre de Fermat (1601 – 1665) teve uma brilhante carreira na área jurídica, que culminou com sua nomeação para conselheiro do rei no parlamento de Toulouse, em 1648. Sua fama, porém é oriunda de suas contribuições à matemática, atividade a qual se dedicava em suas horas vagas. Em 1638, Fermat fez uma anotação na margem de um exemplar da “Arithmética”, de Diophanti de Alexandria (séc. III d.C.). Essa anotação afirmava que, para n>2, inteiro, a relação xⁿ + yⁿ =zⁿ não é verdadeira. Havia ainda uma outra observação onde Fermat dizia possuir uma demonstração “maravilhosa” para esse teorema , porém o espaço da margem era muito pequeno para desenvolvê-la.

Passaram–se 350 anos até que o matemático Andrew Wiles conseguisse uma demonstração para esse teorema.Em 1995, o Dr. Andrew Wiles, utilizando algumas técnicas avançadas como as equações de curvas elípticas, a conjectura de Tanyiama – Shimura e a teoria dos grupos de Evarist Galois demonstrou o referido teorema e em seu percurso provou também a conjectura de Tanyiama - Shimura que relaciona formas modulares a curvas elípticas.

Seria uma redundância discorrer sobre a importância da matemática para o desenvolvimento científico. A própria palavra: Matemático, vem do grego “mathematikos” que significa apreciador do conhecimento.O termo ”mathema” significa ciência, conhecimento.

No auge da corrida espacial, a extinta União Soviética sempre esteve um passo a frente dos Estados Unidos, pelo menos até o evento da Apollo 11.Acredita-se que o diferencial entre as duas equipes era o maior número de matemáticos que faziam parte da equipe soviética.

Um fenômeno físico nunca estaria completamente descrito se não fosse por uma equação matemática. Partindo da geometria, o “Pai da Mecânica”, Galileu Galilei provou diversos fenômenos físicos em sua obra “Discorsi e Dimostrasioni Matematiche intorno a Due Nuove Scienze”, publicada em 1638. Newton e Liebiniz desenvolveram, independentemente, o cálculo diferencial e integral com o qual Sir Isaac Newton equacionou a “Teoria da Gravitação”. A definição de Limites , Derivadas e Integral como as conhecemos hoje foram desenvolvidas e publicadas em três obras por Augustin-Louis Cauchy , engenheiro militar de Napoleão, entre 1821 e 1829.Essas obras de Cauchy foram desenvolvidas quase ao mesmo tempo e com idéias semelhantes por Benrhard Bolzano , um padre e matemático tcheco que também tem diversos méritos como o de ter imaginado , em 1838, uma função contínua num intervalo e que não tinha derivada em nenhum ponto desse intervalo. O mérito porém foi dado ao matemático Weierstrass , que redescobriu esses resultados cinqüenta anos mais tarde.

Albert Einstein, com o auxílio do cálculo tensorial e da geometria riemanniana (geometria não euclidiana), desenvolveu a “Teoria da Relatividade”. Na realidade, a Teoria da Relatividade Geral ficou sem conclusão, de 1912 a 1913, enquanto Einstein tomava conhecimento da Geometria de Riemann (“geometria curva”) através de seu amigo, o Dr. Marcel Grossmann.Grossmann e seu pai foram os responsáveis pela nomeação de Einstein no Registro de Patentes em Berna ,onde trabalhou por sete anos. Grossmann colaborou com Einstein na conclusão da teoria da relatividade geral sob a ótica da “Geometria Diferencial”, transformando o que era escalar em “tensorial”.

Uma das conseqüências da “Teoria da Relatividade” , estudadas pelo físico indiano Subrahmanyan Chandrasekar , são os “Entes Totalmente Colapsados”. Posteriormente , este assunto foi estudado pelo físico Robert Oppenheimer , diretor do “Projeto Manhatan”, o projeto que desenvolveu a Bomba Atômica. Em 1969, o Dr. John Wheeler batizou estes “Entes Totalmente Colapsados” de “Buracos Negros” , que constituem uma singularidade em uma função matemática no sistema de coordenadas espaço-temporal da Teoria da Relatividade. Uma estrela , quando de sua “morte” , dependendo de sua massa , pode se transformar em um buraco negro. Os buracos negros apresentam uma parte exterior chamada de “Horizonte de Eventos”. Uma equação matemática descreve a relação entre a área do horizonte de eventos(A) e a Entropia(desordem do sistema) do buraco negro (S) :

S= A.K.c³.p /h.G

Tudo isto ocorre no “infinitamente grande”, o Macrocosmo.

Fazendo uma incursão ao Microcosmo , vemos a matemática desvendando os segredos do átomo. Considerando a “Teoria Quântica” , encontramos mais uma equação traduzindo o “Princípio da Incerteza” de Heisenberg , segundo o qual não se pode determinar com precisão a posição e a energia de uma partícula ,ao mesmo tempo. Matematicamente :

Dpx.Dx³ h/4p

A equação de Shröedinger traduz matematicamente a dualidade onda-partícula , estudada pelo príncipe Louis De Broglie , em 1924. Essa equação pode nos fornecer uma probabilidade de se encontrar um elétron ( que se comporta , ora como onda e ora como partícula!) em um determinado espaço dentro do átomo :

No filme : “ A Beatiful Mind” , “ Uma Mente Brilhante” , foi contada a história de um matemático brilhante , John Nash , que trabalhou em uma teoria que foi objeto de sua tese de doutorado em 1947 , conhecida como “Teoria dos Jogos” .Essa teoria influenciou as negociações econômicas a tal ponto que lhe valeu o Prêmio Nobel de Economia em 1994.

Mais recentemente , na década de 1970 , alguns físicos começaram a pesquisar equações não lineares , na busca de identificar padrões escondidos em sistemas aparentemente imprevisíveis e desordenados , como o escoamento turbulento de um flúido , ou a explosão de uma supernova , isto é , sistemas que ocorrem na natureza. Essa teoria ficou conhecida como a teoria do “Caos” e um de seus principais teóricos foi o físico - matemático norte - americano Mitchell Feigenbaun. A representação gráfica do Caos é o “Fractal”. Benoit Mandelbrot , um matemático que trabalhava no Centro de Pesquisas Thomas J. Watson , da IBM , acreditava que certos comportamentos cotidianos imprevisíveis , como oscilações da bolsa de valores e bugs na comunicação de computadores podiam ser traduzidos em equações matemáticas e assim poderiam ser traduzidos em representações gráficas do comportamento desses sistemas. Mandelbrot deu a essas representações gráficas , o nome de “Fractais”. A própria geometria de uma ilha ou continente , dependendo do nível de detalhamento , demonstra uma ordem , onde aparentemente não havia.

Na ciência dos Materiais , vemos a matemática traduzindo a organização dos átomos para formar estruturas e conferir propriedades aos materiais.

Essencialmente , todos os metais , uma grande parte das cerâmicas e certos polímeros , cristalizam-se quando se solidificam. Isto significa que os átomos se arranjam em modelos tridimensionais , ordenados e repetidos (Fig.1). Os átomos se posicionam de tal forma que , unindo-se estas posições , apresentam-se formas geométricas bem definidas.


Figura 1- Exemplo de estrutura tridimensional.a) Representa uma célula uni-

tária mostrando como os átomos ficam realmente dispostos.b)Re-

presenta uma célula unitária didaticamente para facilitar cálculos

geométricos.c)Representa a disposição desta célula dentro do ma-

terial.

Define-se célula unitária como a menor porção do cristal que conserva suas propriedades ,e conseqüentemente suas características geométricas.Em meados do século XX , o cientista francês A. Bravais descobriu que estes cristais poderiam ser classificados em sete (07) sistemas (Tabela 1) que dão origem a catorze (14) tipos de reticulados cristalinos(Fig.2).

Tabela 1 – Classificação dos sistemas cristalinos de Bravais.

SISTEMAS

EIXOS

ÂNGULOS ENTRE OS EIXOS

CÚBICO

a=b=c

Todos os ângulos = 900

TETRAGONAL

a=b¹c

Todos os ângulos = 900

ORTORRÔMBICO

a¹b¹c

Todos os ângulos = 900

MONOCLÍNICO

a¹b¹c

2 ângulos = 900 e 1 ângulo ¹ 900

TRICLÍNICO

a¹b¹c

Todos ângulos diferentes e nenhum igual a 900

HEXAGONAL

a1=a2=a3¹c

3 ângulos = 900 e 1 ângulo = 1200

ROMBOÉDRICO

a=b=c

Todos os ângulos iguais, mas diferentes de 900

Figura 2 – As 14 redes de Bravais .

Vários materiais apresentam esse tipo de estrutura , como o nosso sal de cozinha , o NaCl , que apresenta uma estrutura CFC (Cúbica de Face Centrada ) como a da figura 1. O aço , dependendo de sua composição química e da temperatura , pode apresentar uma estrutura CCC(Cúbica de Corpo Centrado) ou CFC.

Uma das características mais importantes dessas estruturas é o Fator de Empacotamento Atômico (FEA) . Este fator pode nos ajudar a prever algumas propriedades dos materiais.O Fator de Empacotamento Atômico leva em consideração o modelo de átomos esféricos e nos fornece a fração de volume realmente ocupada pelos átomos na célula unitária.

Este fator é calculado através da pura geometria espacial e plana. Por exemplo , podemos calcular o FEA para o sal de cozinha , NaCl , que apresenta uma célula unitária com reticulado CFC(Fig.3). Definimos o FEA , como:

FEA = N x Volume dos átomos/ Volume da célula unitária.

A célula unitária é um cubo de lado a , que é chamado de “parâmetro de rede”.

Desse modo , o volume da célula unitária seria .

Assim , precisamos encontrar o valor de a.


Desse modo , teremos , por Pitágoras:

(4R)² = a² + a²

a = 2.2.R Assim , o volume da célula unitária será : Vc = 16R³.√2

Calculamos, então , o volume de cada átomos: V = 4/3.p.R³

Para calcularmos o número de átomos por célula unitária não podemos esquecer que os átomos dos vértices são compartilhados entre 8 células unitárias , portanto teremos 1/8 de átomo em cada vértice .Os átomos das faces são compartilhados por duas célula unitárias , então teremos ½ átomo por face. Desse modo o número de átomos em uma célula unitária será:

N = 8.1/8 + 6 .1/2 = 4 .

Assim , o FEA pára o NaCl será :

FEA = 4 x (4/3 .p.R³)/16R³.2½ ;

FEA = 0,74 ou 74%

Além do fator de empacotamento , podemos estudar planos atômicos com características especiais. Um dos mecanismos , em nível microscópico , que explica a deformação de metais é o deslizamento de semi-planos atômicos . Algumas estruturas apresentam planos preferenciais onde ocorrem esses deslizamentos.

Para estudar os planos atômicos , temos que imaginar que os materiais são formados por vários planos de átomos sobrepostos ,que formam , como já vimos as estruturas cristalinas.

Caracterizamos estes planos atômicos através dos “ Índices de Miller” . Os índices de Miller de um plano são obtidos a partir da interpretação da Equação Geral do Plano :

X/a + Y/b + Z/c = 1 (I) , onde a.,b e c referem-se às posições de intersecção do plano com os eixos X,Y e Z.

Podemos definir índices h,k e l ,onde : h = 1/a; k = 1/b; l = 1/c.

Podemos reescrever a equação (I) , como:

hX + kY + lZ = 1 ;

h ,k e l são os índices de Miller.

A figura 4 mostra um exemplo de planos atômicos em uma célula unitária.

Note que h,k e l também são as coordenadas do vetor perpendicular ao plano , que parte da origem dos eixos.Este vetor também caracteriza o plano atômico.


Figura 4 – Índices de Miller.

Esta é apenas uma pequena parte da aplicação da matemática à Ciência dos Materiais.

Diante desses fatos , não é difícil acreditar que “ A matemática é a chave do Universo”. Assertiva , esta , atribuída a um Anjo...

Em minha modesta opinião ,a matemática é a linguagem utilizada para traduzir para a inteligência humana , o que a Inteligência Divina criou!

José Benedito Marcomini

Referências Bibliográficas:

1.Van Vlack , H. Lawrence – “Princípios de Ciência e Tecnologia dos Materiais” - 4ª Edição – Editora Campus

2.Wulff,John ; Moffatt , William G. ; Pearsall , George W. – “Structure and Properties of Materials” – Vol. I – Structure – John Wiley & Sons , Inc. – 1964.

3. Rodrigues , José de Anchieta ; Gregório Filho , Rinaldo – “Curso de Propriedades Eletrônicas dos Materiais” – UFSCar – 1989.

4.Kittel , Charles – “Introdução à Física do Estado Sólido” - 5ª Edição - Guanabara Dois

5.Iezzi , Gelson – Fundamentos da Matemática Elementar – Trigonometria-Editora Atual-1977-78.

6.Singh, Simon – “ The Last Fermat Theorem”-

7. Paes , Abraham – “Sutil é o Senhor...” – Editora Nova Fronteira – 1995